Luciano Beregeno
#AcordaBrasil
Gritaram as ruas, indignadas com R$ 0,20 de aumento nas passagens lá pelos lados do Ipiranga. Rufos de tambores.
#AcordaBrasil!
E as ruas formigaram, pipocaram, se iluminaram pelas chamas – sim, teve chamas, de paixão, volúpia e pra assar batatas. E os tambores rufando.
#AcordaBrasil!!
O grito foi só crescendo, se avolumando e num instante, a rua era o novo Congresso, a nova Presidência, a nova instância do poder que agora sim, estava emanando do povo e por ele sendo exercido! Soem as trombetas!
O Gigante Acordou!!
E as ruas deliraram e tudo foi colocado em ordem. Finalmente a vontade popular, escrita nas ruas, assumia as páginas da história. Finalmente o Gigante havia acordado. Querubins em coro.
Tá, tá, tá bom! Não foi bem assim que a coisa rolou, mas era uma imagem até legal que eu tava pintando. N’era não?
Concordo com você que acha que o único que riu e tinha razão era o Gigante da Johnny Walker Co. Esse sim, riu à beça. No target!
O que aconteceu foi que à medida que as ruas se inflamavam e os gritos de bandeiras ecoavam, a multiplicidade de objetivos foi minando o alvoroço. Tirem a Dilma! Matem o Lua! Esquartejem o Renan! Tragam os Milicos! Abaixo a Ditadura e viva o Governo Militar Democrático! Me dá o Bolsa Balada! Todos esses gritos acabaram se tornando várias pautas do mesmo movimento que, ingenuamente, acreditou poder prescindir das instituições pra organizar suas vontades.
Assustados num primeiro momento, governo e deputados se apressaram, com atraso, a reconhecer o risco, o perigo institucional que havia dimanado das ruas. E tentaram responder. Sessões intermináveis rejeitando PECs, aprovando projetos de lei às escuras e em caixotes e, por uma semana, o Congresso mostrou que estava trabalhando, fazendo em sete dias o que estava pra ser feito há 15 anos. Mero jogo de cena.
Aos poucos o gigante foi adormecendo outra vez e apenas um ou outro espasmo ainda teima em pulular. Os avanços daquela semana de votações madrugadas adentro aos poucos foram “corrigidos” e devidamente adequados aos interesses... do Congresso.
E agora?
Agora temos uma pauta já sendo comandada pelo Congresso enquanto queremos fritar a presidente, pra deleite dos parlamentares. É o que nos restou e é o que temos.
Eu, de minha parte, tentei muito!
Militei on line com intermináveis debates. Fui pra rua. Participei de plenárias no Museu da República e na Rodoviária. O fiz sempre alertando pro que realmente acontecia. Fui taxado de petista (?) e de yankee (este se superou) e de reacionário (doeu no ouvido vindo de quem vinha). Insisti.
Mas de tudo, dessa langanha toda, a imagem que melhor explica o lance de tudo foi a do Rafa, um amigo meu lá de Salvador. No Skype a gente conversava e programava uma viagem “a qualquer hora pra algum lugar” – fazemos isso há dez anos e nunca nos conhecemos pessoalmente – quando perguntei pra ele se ele acreditava que as coisas iam mudar (não dá pra falar "iriam" mudar, senão ele me casca). Ele olhou pra mim, pela webcam, fez uma cara de cú (termo recorrente que a gente usa lá nas Geraes, né?) e tascou: - Mudar, vai sim. Mas e daí?
Naquela noite fiquei mó tempão pensando no fdp do Rafa. Ele sempre faz isso. Destrói minha pose de analista social e político. Por um instante passou pela minha cabeça tudo o que eu tinha visto desde o início das manifestações e no fim, a cara gorda do Renan, todo raposão, felpudo, em slow motion e a voz do Rafa zunindo no meu escutador de novela: - E daí? Virei pro lado e adormeci.