Do mito, da política e dos vampiros
Política é jogo pra gente grande, gente que tem visão, que enxerga longe e vê aquilo que a grande maioria não consegue ver. Política é a arte de conquistar, manter e exercer o poder, como bem colocou Maquiavel. É por essa característica que a política não deve ser da alçada dos menores de moral, dos despreparados e dos rastejantes – termo que evito o uso, mas reconheço a propriedade para se referir àquele que abraça a causa sem entendê-la ou em sequer sabê-la, usando todo tipo de subterfúgio para provocar algum efeito, seja ele qual for. A estes se atribuem apenas as ações secundárias.
Na defesa do meu ponto de vista, o argumento principal é o mítico que envolve a política e o político. Pode até parecer contraditório face à afirmação do primeiro parágrafo o que vou dizer agora, mas, o político não é nenhum ser superior, dotado de algum dom sobrenatural. Muito pelo contrário, é tão vulnerável como qualquer outro Homo sapiens-sapiens.
Só que esta é uma verdade exclusiva e para poucos pois, grande parte das massas ainda vê este ou aquele detentor de mandato, como um esteio, um suporte, um apoio, uma tábua de salvação, o que comumente, desemboca em uma relação antidemocrática de dominação e subserviência.
Aos olhos do homem comum o político é quase intocável. Quase não, é intocável! A máxima tem reforço entre as camadas menos favorecidas da população que crêem piamente que nem mesmo o braço da Lei ou a bela Thémis possam alcançá-los. E mais, atribuem a este ser político o poder de vida e morte, para o bem ou para mau. É o mito que nasce, cresce e desaparece com o líder.
Em regiões mais afastadas dos grandes centros do País e, principalmente no interior do Norte e Nordeste brasileiros, os míticos coronéis da política se fazem presentes e controlando seus currais eleitorais sob a batida do chicote e o canto da chibata, hoje representados pelo poder econômico. Essa dependência é que dá sobrevida ao mito e garante sua perpetuação, enquanto existir o domínio ou a dependência extrema de um e outro.
Caracteristicamente, o dependente tem em relação ao dominante a visão do devoto em relação ao santo ou a seu Deus. É nele que se encerra o bem e o mau e por ele, as cercas morais são justificadamente derrubadas e a lógica maniqueísta subvertida. Tudo por uma boa razão: a conquista de um objetivo!
Este ano a eleição que se aproxima começa a produzir seus primeiros deuses e clãs. No totem ao centro da tribo, dança doida a famigerada turba a espera de seu senhor. É mais ou menos isso que vejo quando olho a atuação dos grupos, só quem sem o glamour do Clã ou o totem ao centro. Apenas a tribo permanece.
Na defesa de um ou outro nome, o grupo se articula, execra publicamente o adversário e o transforma na representação abjeta de toda imperfeição. E assim dá início ao massacre. Arregimentando seguidores e toda sorte de frustrados, se insurgem contra o poder estabelecido na ilusão de estabelecer outro poder. Mera divergência de pontos de vista, uma vez que impreterivelmente, acabam não fazendo o que deve ser feito.
Enquanto a carnificina e o festim de ataques continuam, nas sombras, os articuladores se movimentam e dão continuidade aos encontros em locais incertos e não sabidos, recheados da aura de mistério própria do mito. Reuniões secretas, conversas codificadas e digressões plausíveis são parte da liturgia do mito político e eleitoral, totalmente contrário ao que preconizava a mãe democracia no berço da Grécia Antiga.
Os grupos por sua vez, continuam a trajetória da campanha infame, sem muito atentar ao que acontece no pátio, bem próximo da varanda, onde as conversas prosseguem e podem, a qualquer instante, alçar o inimigo ao posto de mais novo aliado.
Aqui cabe o devaneio: se o inimigo acossado pela manhã é o aliado deificado à tarde, como o grupo resiste a esta mudança sem perder sua característica de grupamento humano?
A resposta talvez nem exija tanto esforço.
Ao grupo não cabe o julgamento moral. Ele não é instância a ser consultada apesar de acreditar que o seja. O grupo é apenas ferramenta de pressão em busca de acordos individuais melhores. O grupo é apenas a força bruta do discurso, pura massa de manobra. A ele não compete questionar o líder ou suas posições. A ele não compete questionar decisões. Cabe a ele, única e exclusivamente, obedecer e fazer acontecer a vontade de seu líder.
A guerrilha continua e, em breve, poderemos ter sob o teto, lobisomens e vampiros. Se este será um jogo de força ou estratégia, saberemos apenas ao final do último round.
Semana que vem eu volto, ok?
Inté!