domingo, 14 de fevereiro de 2010

Olha só isso que interessante...

BEÇA, À

O Acre chegou à condição de Estado em 1962, mas essa conquista foi trabalhosa, demorada e dispendiosa porque o país não só investiu muito dinheiro (2 milhões de libras esterlinas) para adquirir da Bolívia seus 153.698 quilômetros quadrados, como também cedeu àquela nação os direitos sobre algumas pequenas áreas no Mato Grosso, assumindo ainda a responsabilidade pela construção de uma estrada de ferro (a Madeira-Mamoré, hoje extinta), que deveria dar escoamento à produção agrícola de ampla faixa do território boliviano.

O Peru, também interessado na área, acabou sendo beneficiado com o acordo assinado em 1903 (Tratado de Petrópolis), já que recebeu de mão-beijada uma área de 39.000 quilômetros quadrados, habitada por peruanos.

Resolvida a questão diplomática, o governo brasileiro criou em 1904 o Departamento do Acre, mas aí teve início uma longa e acalorada controvérsia política envolvendo muita gente, uns defendendo a integração da área adquirida ao Estado do Amazonas, e outros envidando esforços pela sua emancipação. Dentre eles, dois se destacaram: de um lado, Rui Barbosa (1849-1923), escritor e político baiano, e de outro, Gumercindo Bessa, jurista sergipano de grande saber e dono de eloqüente oratória.

Por algum tempo os dois discutiram seus pontos de vista, e durante esse período o advogado sergipano surpreendeu a todos pela convicção e clareza com que expunha seus pensamentos. Mais para frente, no final da história, o Acre passou a Território em 1920, adquirindo o "status" de Estado em 1962.

Entrementes, Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1919), presidente da República no período 1902-1906, fora reeleito para um novo mandato, mas não chegara a tomar posse por questões de saúde. Certo dia, ao ouvir um cidadão expor-lhe suas idéias, Rodrigues Alves admirou-se com a fartura das alegações que este apresentava em defesa de seu ponto de vista, e por isso, lembrando-se do bacharel sergipano, comentou: "O senhor tem argumentos à Bessa" .

A frase foi anotada, divulgada e repetida por um número cada vez maior de pessoas, mas o tempo se encarregou de retirar-lhe a maiúscula da inicial, substituindo também as duas letras "esses" pelo "c" cedilhado. Daí em diante a expressão "à beça" popularizou-se e passou a ser usada por todos para indicar os sentidos de grande quantidade, à vontade ou bel-prazer, o que continua acontecendo nos dias atuais.

Sobre esse assunto o site www.sapo.pt, de Portugal, não só fornece a mesma informação como também lhe acrescenta alguns pormenores. Acontece que um consulente brasileiro encaminhou a ele a seguinte correspondência:

Com respeito à dúvida sobre a origem da locução "à beça" (mais apropriadamente, "à bessa"), transcrevo, do "Dicionário brasileiro de provérbios, locuções e ditos curiosos", de R. Magalhães Júnior (Rio de Janeiro, 1974), o seguinte verbete: "À bessa. - O mesmo que abundantemente, com fartura, de maneira copiosa. A origem do dito é atribuída às qualidades de argumentador do jurista alagoano Gumercindo Bessa, advogado dos acreanos que não queriam que o Território do Acre fosse incorporado ao Estado do Amazonas.

Rui Barbosa, que se demitira do cargo de ministro plenipotenciário, quando da negociação do Tratado de Petrópolis, por se opor às diretrizes de Rio Branco, aceitara advogar a causa do Amazonas e chegara, inclusive, não só a propor ação judicial, mas ainda a apresentar no Senado Federal projeto que mandava incorporar o Acre àquele Estado.

O advogado contrário, Gumercindo Bessa, apresentara argumentos tão esmagadores e tão numerosos em favor dos acreanos, que logo se tornou figura respeitada nos meios forenses. Conta-se que certa vez um cidadão procurou o Presidente Rodrigues Alves para pleitear determinados favores e com tal eloqüência expôs suas idéias que o ilustre estadista teria observado: – O senhor tem argumentos à Bessa ... Com o tempo, a maiúscula de Bessa desapareceu. Entre os autores que registram essa origem da popular expressão se destacam Rodrigues de Carvalho, na "Revista Nova", n. 6, de abril de 1932, e Aires da Mata Machado Filho, no livro "Escrever Certo", 1.ª Série".

E o responsável pelo site respondeu: “Muito obrigado. Quanto à grafia à bessa ou à beça, note-se que alguns dicionários – e entre eles o Aurélio e o Michaelis – registram à beça”.

FERNANDO KITZINGER DANNEMANN
Publicado no Recanto das Letras em 15/02/2006
Código do texto: T112156

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